top of page

É primitivo nos regozijarmos com prisão de pessoas

Num momento em que prepondera o orgulho com a tecnologia e com os avanços que a humanidade alcançou, um pouco de autocrítica faz bem. Se, em diversos campos do conhecimento, se conseguiu evoluir muito nos últimos 30 anos, o mesmo não podemos dizer do Direito, em particular do Direito Penal.


Os penalistas cada vez mais se aproximaram da filosofia e, indiscutivelmente, procuraram melhor compreender a dinâmica do cometimento do crime, sem enxergá-lo sob a lente da dicotomia objetivo/subjetivo, mas como união de concausas que leva ao evento naturalístico e jurídico.

Também os doutrinadores chegaram a sofisticados raciocínios no tocante ao perigo com o fim de melhor aplicar a lei na denominada sociedade de risco. A conta de problemas contemporâneos, surgiu a necessidade de avaliar a culpa, desprezando fórmulas antiquadas que não mais serviam à solução dos casos trazidos à jurisdição penal.


Na aplicação dos tipos delitivos, foi a aproximação com o Direito Constitucional que permitiu usar-se da perspectiva axiológica e da gradação de bens jurídicos para reconhecer a atipicidade em hipóteses supra-legais, bem como para trazer justa proporção na imposição de penas.

Do ponto de vista semântico, parece correto dizer que se estudou em demasia o Direito Criminal e pouca dedicação se conferiu ao Direito Penal. Basta examinar dissertações de mestrado e teses de doutoramento para confirmar a preferência pela pesquisa sobre tipicidade, ilicitude e culpabilidade, ao invés da preocupação com a pena e seu respectivo cumprimento.


Essa observação leva a se perguntarem as razões da covardia intelectual dos penalistas, pois, se poderia compará-los a médicos temerosos de estudar a fase terminal do paciente, satisfeitos em abandonar os doentes graves para encobrir a incapacidade de salvá-los. A prisão como a morte seria o resultado do fadário, força dos deuses a desconsiderar os esforços da ciência. O Homem ver-se-ia impotente de fronte à predestinação do encarceramento.


Tratar a prisão como algo inerente ao viver em sociedade, como subproduto jurídico esperado para quem descumpriu o contrato social, parece mostrar nosso primitivismo. É um desatino o público ainda se regozijar com a prisão de determinadas pessoas, assim como se evidencia a obsolescência autoridades almejarem reconhecimento por levarem ao cárcere este, ou aquele indivíduo.

Não se ostenta razoável tratar a pena privativa de liberdade como um instituto normal, cabível sempre que desacatada norma penal. Apresenta-se arcaico o Estado patrocinar tamanha violação aos direitos individuais e ninguém reagir ao fato que se criaram depósitos de mortos-vivos. O egresso vê poucas chances de sobrevida digna em sociedade, porque nada contribuiu para se converter em alguém melhor durante o período que permaneceu preso.


A única glória intelectual que um penalista deveria almejar seria receber o reconhecimento por ter descoberto novas sanções penais, ou diferentes maneiras de cumpri-las, desde que capazes de extirpar de vez a pena de prisão. As filigranas das teorias anteriores – mesmo as importadas da Alemanha, tão ao gosto luso-brasileiro – seriam esquecidas como dogmática rudimentar em nome da coragem de revolucionar uma ciência incapaz de estudar o objeto que a qualifica.


Se o devaneio de desaparecimento das penas privativas de liberdade não encanta, ao menos nós todos devemos começar a exibir nossa indignação frente ao que acontece, em particular, no sistema prisional brasileiro.


Estudantes, professores e profissionais de Direito precisam escrever e protestar para pôr fim às “jaulas obscenas”, como as celas eram chamadas por Manoel Pedro Pimentel – um dos autores da Reforma Penal de 1984 que congregava dessa mesmíssima utopia faz exatas três décadas.

Comments


Commenting on this post isn't available anymore. Contact the site owner for more info.
bottom of page