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Rogério Lauria Tucci

A notícia da morte propalou-se somente depois das cerimonias fúnebres, pois, nem mesmo no último ato, ele quis incomodar amigos e discípulos. De modo simples e discreto, Rogério Lauria Tucci partiu na última sexta-feira.


Assim, era o Professor Tucci. Cordial, sempre disposto a ouvir a questão do aluno, a dúvida do colega, a estória do cartorário, o lamento do cliente. Era a personificação do advogado, o qual se podia esbarrar no balcão do cartório, ou ver na tribuna a sustentar elaboradas teses jurídicas.


Defensor combativo, sentia-se inconformado com a decisão judicial graças à incompreensão dos fatos, ou à errônea interpretação do Direito. Fazia a crítica à sentença, ao acórdão, mas não se ouvia falar mal do juiz, desembargador, ou ministro. Não substituía a vigorosa disposição de recorrer, de arrazoar, de contrariar a condenação, com o menoscabo a pessoas, ainda que negligentes no exame da prova, ou no estudo dos institutos jurídicos.

Se alguém perguntar qual advogado de litígios, nas últimas décadas, melhor compreendeu a advocacia como bem servir ao cliente, há de dizer seu nome, porque advogar era entregar-se à causa com a convicção de existir razão ao patrocinado, de o tribunal poder encontrar melhor solução para o caso, mais próxima da verdade, do equânime, ou da justiça.


Esta mesma energia do causídico mostrou-se essencial na Reforma Penal de 1984, porque trabalhava à noite em rascunhos, correções e emendas, mesmo após o fim das longas reuniões da comissão de juristas. No dia seguinte, trazia alterações que sistematizam os três anteprojetos de lei, bem como abarcavam as sugestões debatidas sobre a redação dos artigos.


Conheci-o quando eu era criança e frequentei sua casa pelas mãos de meu pai, amigo fraterno com quem compartilhou trinta anos de docência de processo penal na Faculdade de Direito (USP). Dele só assisti bondade com o próximo, na acepção franciscana do esforçar-se para entender o outro, sem a preocupação de ser compreendido.


Bom lembrar que a oração matinal - feita em voz alta, no quarto - correspondia à promessa diária de portar-se no reto caminho do justo, consoante as leis divinas e dos homens. Daí, talvez, conseguir manter-se tão sereno diante de vicissitudes que enfrentou na atividade acadêmica.


Nada abalou a impecável carreira, com obras que marcaram os estudos de direito processual, em particular, com as importantes contribuições que fez ao processo penal, a partir da releitura dos direitos individuais, consagrados pela Constituição de 1988. Soube ver naqueles preceitos a priori abstratos a concretude dos direitos do réu no processo criminal.

O seu falecimento importa muito mais do que a perda de um grande jurista. Significa o fechamento de um ciclo de cultores do direito processual afetos ao estudo de história e de história do Direito. A herança dessa cultura fica para seu filho, Professor José Rogério Cruz e Tucci, cujas aptidões todos conhecemos na cátedra e no foro.


Resta saber quem o substituirá na missão de propagar as ideias de liberdade jurídica e de processo penal, provenientes das lições dos Mendes de Almeida e afastadas da doutrina que se vinculou ao conceito de lide.


Para alguns, esta seria mera questão dogmática, para outros o cerne de erros judiciários gravíssimos, ocasionados por uma perspectiva formal do instrumento-processo, quando não vinculado à busca de verdade. Amostra de erro judiciário que não passou ao largo da visão crítica de Michel Foucault, para não falar de processualistas penais estrangeiros de hoje e de ontem.


Embora a denominada teoria geral do processo, pelo natural reducionismo que se propôs, tenha encontrado muitos adeptos, o Professor Tucci deixa, a quem quiser se aprofundar, as irreparáveis assertivas:


“Por outro lado, não se pode deixar de ter presente que o processo penal guarda, em qualquer caso – sem exceção, portanto -, o caráter de necessidade, tanto para atingir o efeito da punição do culpado como para preservação do ius libertatis, livrando-se o cidadão, quando indevida, da coação estatal.


Nele, como lembra, com propriedade, JOAQUIM CANUTO MENDES DE ALMEIDA, procura o Estado, por intermédio de funcionários especializados, a justa aplicação do Direito Penal normativo. E, nem os encarregados desse ministério público, cuja atuação é informada, também pela legalidade; nem os envolvidos na persecutio criminis, dado o vigor da regra de inevitabilidade, podem renunciar ao processo, não se reconhecendo, por isso, nenhuma relevância ‘às considerações subjetivas dos sujeitos que parecem personificar os dois interesses contrastantes’.


Daí a proclamada irrelevância processual da lide, no âmbito da jurisdição penal, à qual se faz, outrossim, alheia a contenciosidade” (Teoria do direito processual penal – jurisdição, ação e processo penal (estudo sistemático). São Paulo: Ed. RT, 2003, p 48).


Aqueles que, na leitura dos manuais, se viciaram hão de repetir tais palavras e enxergar com mais sofisticação o processo penal, desprezando raciocínios que não merecem se guardar na lembrança culta.


Olvidar o ruim é ter memória, como se diz em Martín Fierro. Lembrar-se do Professor Tucci, assim como da tradição que representa o seu pensamento, é tomar consciência de um passado essencial para a proteção dos direitos individuais.

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