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Sigilo bancário: a lição das más experiências - Valor Econômico - p. E-2 - 17.01.2005

Quem lê os jornais com frequência se cansa de ouvir reclamações de funcionários do Executivo, de membros do Ministério Público e de parlamentares que querem o poder de acessar nossas contas bancárias sem a necessidade de passarem pelo crivo judicial.


Sempre no mesmo diapasão, os argumentos contrários à proteção ao sigilo bancário vão do ditado "Quem não deve não teme" à frase de efeito "Os criminosos empregam métodos tecnológicos velozes, tornando imperiosa a aplicação de modernos meios de investigação".


Na perspectiva do direito, nem o apelo à cultura popular nem o diagnóstico novidadeiro conseguem abalar a convicção de quem estuda o texto constitucional e entende a tripartição do poder do Estado. Muito menos convence a quem reconhece a privacidade como valor para cada um de nós e para a sociedade brasileira como um todo.


Entretanto, raciocinar nessa linha lógica é inútil, na medida em que os opositores à tutela judicial do segredo bancário levam o debate ao campo da emoção, quando não buscam vencer a discussão a partir de mentiras, algumas recheadas de dados econômicos ou criminológicos pouco confiáveis.


Para a sorte do cidadão, fatos recentes vêm pôr em xeque a vantagem que os justiceiros da economia levavam sobre os defensores da legalidade. Afinal, a divulgação de nomes e de operações financeiras nos jornais dos últimos dias mostra que não é qualquer um que pode obter e guardar dados confidenciais.

Seguindo a ordem de preocupação dos que negam o sigilo bancário como um direito, o primeiro a perder com a publicidade indevida é o próprio Estado, que tem as investigações criminais fadadas ao fracasso, pois tais notícias fazem desaparecer o produto do crime, as provas, as testemunhas e, às vezes, os próprios investigados.


Depois, sofrem os responsáveis pelas devassas, que passam de inquisidores a investigados, porque quem não preserva dado sigiloso, ou o divulga, pode vir a responder a inquérito policial e a processo administrativo, sem falar na obrigação de indenizar os lesados.


Na sequência, o prejuízo se espraia para a sociedade, que tem de conviver com o escândalo do momento, o que leva ao descrédito nas instituições, com reflexos no âmbito político e econômico.


Ao fim, degrada-se o mais esquecido de todos. Padece o indivíduo que vê o nome divulgado na mídia, graças a informes parciais quanto a operações lícitas, com alusões maldosas de que teria surrupiado algo de alguém, desconhecidos. Este tem de explicar a muitas pessoas, por exemplo, que se utilizou de instrumentos legais de remessa de dinheiro ao exterior, sempre com a certeza de que os interlocutores não acreditam nessa versão dos fatos e preferem encará-lo como lavador de dinheiro.

Se todas as más consequências da indevida propalação de dados bancários não servirem para demonstrar, ainda que por indução, que só o juiz de direito, imparcial, deve determinar a quebra de sigilo bancário - devendo autorizá-la somente nas hipóteses legais e de maneira fundamentada, garantindo a preservação dos dados para os fins judiciais -, nós podemos, ao menos, tirar uma lição: os brasileiros não valorizam o Estado Democrático de Direito.

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